OPINIÃO

Perdas em abundância: a ineficiência na distribuição de água potável na Região Norte

Mais de 46% da água produzida no Norte é perdida, o que equivale a 785 piscinas olímpicas de água perdidas diariamente

Por Luana Pretto*
18/09/2024 às 16:00.
Atualizado em 18/09/2024 às 16:00

De acordo com o dicionário, a palavra “perda” significa “carência ou privação do que se possuía”. No contexto do abastecimento de água, perdas podem ocorrer por diversos motivos, como vazamentos, erros de medição e consumos não autorizados. O nosso país, infelizmente, ainda enfrenta este grave problema: são mais 7,6 mil piscinas olímpicas de água potável desperdiçada todos os dias – conforme aponta o estudo de Perdas de Água 2024, lançado pelo Instituto Trata Brasil.

Essa água, que já passou por todo o processo de tratamento e está pronta para consumo, infelizmente não chega de forma oficial às residências do país. Quando observamos essa questão na Região Norte, historicamente uma das mais afetadas pela precariedade do saneamento, onde mais de 6 milhões habitantes não têm acesso a esse recurso vital, ter um elevado índice de perdas de água é ainda mais alarmante. Na região, 46,94% da água produzida é perdida, o que equivale a 785 piscinas olímpicas de água perdidas diariamente.

E qual é o impacto dessas perdas? Primeiramente, o principal afetado é o cidadão que ainda vive sem acesso ao recurso, que poderia ser fornecido através da redução do desperdício. Além disso, para o meio ambiente, as perdas contribuem para aumentar a pressão sobre as fontes de abastecimento de água, resultando em desequilíbrios ambientais.

Apesar de ter apresentado uma redução de 8,59 pontos percentuais nos últimos cinco anos (2018-2022), o Norte continua sendo a região com o maior índice de perdas de água. Isso se soma ao fato de ser uma das regiões com os piores indicadores de atendimento de água, coleta e tratamento de esgotos. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), ano-base 2022, 85,7% da população da região, quase 15 milhões de pessoas, não recebem atendimento de coleta de esgoto, enquanto apenas 19,8% do esgoto gerado é tratado.

Milhões de habitantes expostos à precariedade do básico. Sem água limpa e segura, a população enfrenta sérios riscos à saúde, como doenças de veiculação hídrica. Para além, a falta de água pode agravar desigualdades sociais e econômicas, afetando especialmente os mais vulneráveis.

No Brasil, para que um município alcance níveis excelentes de perdas, deve ter no máximo 25% em perdas de água na distribuição e 216 L/ligação/dia em perdas por ligação – de acordo com a Portaria 490/2021 do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Segundo o estudo do Trata Brasil, se a região Norte reduzisse suas atuais perdas de 46,94% para a meta de 25%, o potencial de aumento da população atendida seria de mais de 3,7 milhões de pessoas.

O Norte do país sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), marcada para novembro de 2025 em Belém (PA). Em meio aos diversos desafios ambientais a serem enfrentados, a região encara a falta de controle de perdas de água e uma realidade precária nos serviços de saneamento básico para sua população. São quase 900 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento lançadas diariamente nos rios da região amazônica. Este evento, que reúne especialistas e ativistas de todo o mundo para debater sobre questões ambientais e climáticas, representa uma oportunidade crucial para direcionar atenção e esforços à melhoria dessas infraestruturas básicas, essenciais para a dignidade humana.

O acesso ao saneamento, especialmente à água potável, é um requisito básico imprescindível para uma vida digna. Dentre os principais direitos básicos fundamentados na Constituição Federal de 1988, destaca-se o direito à saúde, que inclui o acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção, refletindo os princípios de dignidade da pessoa humana.

Garantir o acesso universal à água, em sua regularidade e qualidade, não é apenas uma questão de higiene, mas também de proteção ambiental, justiça social, climática e desenvolvimento humano integral. Temas que certamente estarão em pauta na COP-30.

 * Luana Siewert Pretto é Engenheira Civil (UFSC), com mestrado na área de Análise Multicritério (UFSC) e pós-graduada em Gestão de Projetos (FGV). Atuou na concessionária estadual de saneamento básico de Santa Catarina (CASAN) e como presidente da Empresa Pública municipal de saneamento básico Companhia Águas de Joinville. Atualmente, é Presidente-Executiva do Instituto Trata Brasil.

Sobre o Instituto Trata Brasil

 O Instituto Trata Brasil (ITB) é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que surgiu em 2007 com foco nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Tornou-se uma fonte de informação ao cidadão para que reivindique a universalização deste serviço mais básico e essencial para qualquer nação. O ITB produz estudos, pesquisas e projetos sociais visando conscientizar o cidadão comum do problema e, ao mesmo tempo, pressionar pela solução nos três níveis de governo. A proposta é que todos conheçam a realidade do acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos e busquem avanços mais rápidos. Para mais informações, acesse: https://tratabrasil.org.br/

    

Luana Pretto é Presidente-Executiva do Instituto Trata Brasil

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